AVANTE CAMARADAS
Por Astromônico Santana Lima
“Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação.” Charles Chaplin
Avante Camaradas, trata-se de um filme de curta-metragem, tipo documentário-ficção, produzido no Brasil em 1986, com roteiro e direção de uma cineasta francesa, que, inclusive, já residiu neste País por uma década, cuja temática versa acerca do surgimento da música revolucionária Avante Camaradas, composta para homenagear a Coluna Prestes, e como a mesma passou a integrar o hino das Forças Armadas deste País, deixando sutilmente transparecer a importância do episódio – Coluna Miguel Costa-Prestes, ou simplesmente Coluna Prestes – a qual teve como principais integrantes: Luís Carlos Prestes, Juarez Távora, Miguel Costa e João Alberto. Seu principal desiderato era percorrer todo o interior brasileiro para disseminar o ideal revolucionário e proceder à conscientização da população rural, para que a mesma enfrentasse o domínio altamente exploratório exercido até então pelas elites “vegetais”.
Ademais, os revolucionários alimentavam a esperança de despertar para si a atenção do governo para que assim pudessem emergir novas revoltas nas cidades e/ou centros urbanos. O presidente naquela época era Artur Bernardes (1922-1926), símbolo de retrocesso para o Brasil e estopim do movimento tenentista. O governo Bernardes pode ser classificado como extremamente ditatorial, que manteve - sob estado de sítio - a suspensão das garantias constitucionais ao longo de todo o seu mandato, censurou a imprensa, mandou prender e deportar seus adversários para a Amazônia.
Quanto à cineasta supracitada - Micheline Marcelle Bondi - é natural de Nice, na França. O seu nascimento ocorre no ano de 1948. Vem trabalhar, como jornalista, no Rio de Janeiro, em São Paulo e Salvador, em 1969. Roteirista de histórias em quadrinhos (Madri, 1971). Faz contato com pessoal da Escola de Cinema Experimental da Universidade de Vincennes (França). Volta ao Rio de Janeiro em 1978 e faz curso de cinema no Parque Lage, com o diretor de fotografia Fernando Duarte e Sérgio Santeiro. Dirige os curtas: Um morto no exílio (co-direção de Daniel Caetano, 1978) e Avante Camaradas (1986). Pesquisa o movimento camponês entre 1940 e 1964 em periódicos, entrevista os políticos Cid Sampaio e Gregório Bezerra, e os padres Crespo e Mello. Registra em documentário longa, feito em 16 mm e em cores, o Recife e a Zona da Mata pernambucana, abrangendo a volta dos exilados, com narração dos próprios, incluindo Miguel Arraes e as eleições de 1982 (Depoimento do autor). 1982 – De Pernambuco falando para o mundo (Maralto PC).
Cumpre-nos enfatizar alguns aspectos técnicos do retromencionado filme, a saber: produção Embrafilme, Micheline Bondi, Tabas Comunicações; elenco Rita Santos Machado, Álvaro Vianelli, Amil Abinasser, Carlos Bini, João Carlos Teixeira, João Curty, Mário Castillo Jr, Neilton Lima, Paulo Jordão, Rita Ramos Machado, Sérgio Alexandre; narração Jorge Ramos; edição de som e montagem José Moreau Louzeiro; fotografia César Morais, Gilberto Otero; música Antonino Espírito Santo; idioma português; origem Brasil (RJ); cor p/b; bitola 35 mm; duração 15 min 30 s; roteiro e direção Micheline Bondi. Foi contemplado, entre outros, com o Prêmio de Melhor Curta-Metragem Júri Oficial do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 1987; Prêmio Paulo Emílio Salles Gomes – XVI Jornada Internacional de Cinema da Bahia, 1987; Prêmios do Júri Popular, Imprensa e o troféu Macunaíma.
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No bojo do filme em epígrafe, percebe-se que é extremamente necessário que nos reportemos à década de 1920, para que possamos compreender que o Brasil retratado pelo filme atravessava um momento bastante convulsionado na sua história, onde imperava sobretudo a fome, a miséria, o desemprego, a exploração, a desesperança das camadas menos favorecidas. Nesse diapasão, talvez, somente com o surgimento de um “Cavaleiro da Esperança” pudesse o País seguir rumo ao seu desenvolvimento político, econômico e social, e não olvidasse o povo tão sofrido e menosprezado.
No decorrer da alusiva década, o movimento tenentista destacou-se no contexto político, desestruturando as bases de sustentação da chamada República Velha. Esse movimento pregava, entre outras coisas, a moralização da vida pública, a defesa dos interesses econômicos nacionais e a adoção do voto secreto para evitar fraudes eleitorais, ou seja, seus líderes repudiavam veementemente as práticas políticas oligárquicas. Embora com um programa moralizador de certo modo vago, os jovens oficiais (tenentes) entusiasmaram a população, mormente as denominadas camadas médias e baixas. Ressalte-se que eram elevadas as dificuldades do Exército nacional, onde as suas promoções se davam lentamente e os soldos eram assaz reduzidos.
Sinteticamente, as principais revoltas tenentistas foram: Revolução Tenentista de Copacabana (Os Dezoito do Forte, no Rio de Janeiro, em 1922); Rebelião em São Paulo, em 5 de julho de 1924; Rio Grande do Sul, em outubro de 1924; Sedição no Amazonas, em 23 de julho de 1924; COLUNA PRESTES, 1925-1927 – composta pelas colunas paulista, de Miguel Costa, e gaúcha, de Luís Carlos Prestes.
No que concerne à canção Avante Camaradas, o filme sugere a sua autoria como sendo emanada do “maestro” Antonino Espírito Santo, nos anos de 1920, e tendo como finalidade precípua homenagear a Coluna Prestes. Ocorre que, por ser ouvida freqüentemente nas cerimônias militares, paradas, e também nas comemorações cívicas passou a integralizar o hino do Exército do Brasil, mesmo não havendo sido composta para esse desígnio. Este episódio é assaz inusitado e meio paradoxal, uma vez que o hino revolucionário em prol da Coluna Prestes findou nas mãos justamente das tropas que foram delimitadas para rechaçar e/ou combater a alusiva Coluna, a qual, durante os anos de 1925 a 1927, atravessou por vários Estados brasileiros, como, por exemplo, Bahia, Paraíba, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, e chegando, inclusive, ao Jalapão, hodiernamente Estado do Tocantis, adentrando, a seguir, em território boliviano.
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O nome da banda do maestro Antonino Espírito Santo, o qual é natural de Angical, Oeste da Bahia, é denominada Banda Filarmônica Lira Angicalense. Registre-se que os partícipes desse curta-metragem são atores e cidadãos da própria cidade de Angical.
Quando, nos anos 1920, houve a circulação da informação que os componentes da Coluna Prestes aproximavam-se de São Romão, no rio São Francisco, localidade circunvizinha a Angical, e as notícias se propagavam celeremente, através dos jornais, que faziam comentários exaltados acerca da revolta chefiada pelo então capitão Luís Carlos Prestes, toda a sociedade angicalense se dispunha recepcionar de forma ímpar e/ou singular com uma festa dantes nunca vista naquele município. Porém, a priori, todo entusiasmo transformou-se numa decepção imensa por parte de toda a Angical ao perceber que a Coluna Prestes havia se desviado do caminho, seguindo durante alguns dias pela Bahia, adentrando o Maranhão e desviando-se para o Estado de Pernambuco. Registrou-se, na época, uma grande batalha em Piançã, na Paraíba. Em seguida, a Coluna avançou novamente pela Bahia e o povo angicalense ficou entusiasmado. Consoante o filme, Antonino Espírito Santo tocou a marcha Avante Camaradas durante todos os dias no coreto da praça, com a participação dos cidadãos de Angical.
Em uma determinada manhã, logo perceberam, os cidadãos da cidade, que tinham novidades nada agradáveis: um destacamento do Exército encarregado de tentar parar a Coluna Prestes, acabara de acampar em Angical. Porém, de tanto ouvir os acordes do Avante Camaradas toda corporação aprendeu o hino.
Tão logo Prestes chegou à Bolívia, o destacamento foi autorizado a retornar para o Rio de Janeiro. Assim, os soldados foram embora cantando o referido hino, que se disseminou por todo o Brasil e acabou adotado pelo Exército Nacional.
Indubitavelmente, é inconcebível compreendermos a década de 1920 em nosso País sem levarmos em consideração o tenentismo e, mormente, a Coluna Prestes – que esteve, propositalmente, relegada ao esquecimento, no Brasil, durante várias décadas. Considerando a sua magnitude, esse fato histórico (Coluna Prestes) deve ser transmitido para as novas gerações, afinal refere-se à luta pela libertação do País do governo ditatorial de Artur Bernardes, cujo descontentamento de toda a população fazia-se patente. Ela - a Coluna Prestes - se manifesta contra os impostos exorbitantes, a mentira do voto, o amordaçamento da imprensa, as perseguições políticas, o desrespeito a autonomia dos estados.
Percorreu aproximadamente vinte e cinco mil quilômetros, através de treze estados do País, não tendo sido derrotada em nenhum momento. Os seus opositores e perseguidores, incluindo os principais comandantes do Exército brasileiro, sofreram consideráveis perdas e significativos reveses impostos pelos rebeldes a sua marcha. A Coluna Prestes derrotou dezoito generais. Foi perseguida por tropas heterogêneas, compostas tanto por jagunços dos coronéis, como pelo Exército e pelas Polícias Estaduais. Ela adotava a tática da guerra de movimento e isso lhe garantia a própria sobrevivência em condições muitas vezes extremamente desfavoráveis. Note-se que a Coluna Prestes se transformou num exército bastante popular, tendo sido a sua marcha pelo Brasil importantíssima para que a chama de sublevação dos tenentes continuasse acesa. Foi através da sobrevivência aguerrida dessa Coluna que surgiram diversos levantes tenentistas em vários pontos do País. E esse clima convulsionado favoreceu substancialmente a produção das condições que conduziram a queda da República Velha e a conseqüente vitória da “Revolução de 1930”, o que proporcionou o começo de uma etapa inovadora no desenvolvimento capitalista em nosso País.
Durante o período que esteve no comando da Coluna, deparou-se com um quadro de miserabilidade em grande parte da população do Brasil, e resolveu mudar de tática. Assim, com essa nova visão do País, o comando da Coluna Prestes decidiu partir para o exílio, adentrando as terras da Bolívia no dia 3 de fevereiro de 1927. Detalhe: os generais do governo locupletaram-se às custas do erário público, que por sua vez ofertava benesses para acabar com os integrantes da Coluna. Em contrapartida, os rebeldes chegaram à Bolívia, apenas com o moral em alta e conscientes de que cumpriram o seu dever, não tendo recebido nenhum pagamento específico ou qualquer tipo de vantagem.
Prestes, no exílio, entrou em contato com a direção do Partido Comunista Brasileiro e iniciou os estudos do marxismo. Ele buscou uma explicação para as causas da situação de miserabilidade da população, que ele mesmo presenciou durante a marcha da Coluna, e a solução para o problema, e chegou a conclusão de que somente no marxismo poderia achar respostas racionais para a referida situação que o afligia. Destarte, a resposta se resumia na extrema necessidade de achar o caminho para a revolução socialista do nosso País.
Com essa nova postura ideológica, aderiu ao programa dos comunistas e, não logrando êxito em trazer para si como aliados alguns de seus ex-companheiros do movimento tenentista, decidiu romper publicamente com os mesmos mediante o Manifesto de Maio de 1930. Alguns anos depois, Prestes se transformou na mais proeminente liderança do movimento comunista no Brasil. Graças a Coluna Prestes que emerge a grande liderança da revolução social, em prol deste País, a saber: Luís Carlos Prestes (1898-1990), militar e político brasileiro, que estudou Engenharia na Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro.
Ante o exposto, asseveramos que esse documentário - Avante Camaradas - de Micheline Bondi é extremamente relevante, enriquecedor e instigante no sentido de fazer-nos rememorar parte de nossa história, que não deve jamais ser colocada à margem, ser posta ao ostracismo. Inequivocamente, o Brasil precisa de cidadãos cônscios, intrépidos, resolutos, prontamente aptos a exercer seus papéis na sociedade em prol de uma melhoria generalizante, seja no âmbito político, econômico, social ou cultural. Dada as devidas proporções, note-se que grande segmento da classe política hodierna pouco difere dos políticos de outrora, no que concerne aos quesitos desonestidade, avareza, compra de votos, troca de favores, corrupção, entre outros. A nós, cidadãos brasileiros, compete-nos, portanto, exigir dos mesmos um tratamento pautado no respeito, dignidade, lealdade, equidade, probidade, moralidade, e nas observâncias das normas legais, principalmente no tocante à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Referências Bibliográficas:
- MIRANDA, Luiz F. A: Dicionário de Cineastas Brasileiros: São Paulo: Editora ART, 1990.
- TRONCA, Ítalo A: Revolução de 30: a dominação oculta: São Paulo: Editora Brasiliense: 8ª edição, 1993 - 2ª reimpressão, 2004.
- BUENO, Eduardo: Brasil: uma história: cinco séculos de um país em construção, São Paulo: Leya, 2010.
-TEIXEIRA, Francisco M. P: Brasil História e Sociedade: São Paulo: Editora Ática, 1ª edição – 6ª impressão: 2006.
- FREITAS NETO, José Alves de; TASINATO, Célio Ricardo: História Geral e do Brasil: São Paulo: Editora Harbra, 2006.
- http://www.millarch.org/artigo/os-curtas-sao-das-mulheres